
No salão de um buffet em Fortaleza, pastores, bispos e frequentadores de igrejas tomavam café da manhã com autoridades públicas, na última quinta-feira. Os presentes eram chamados de “irmãos” uns pelos outros. No palco, em meio a conselhos políticos, o pastor e senador Magno Malta (PR-ES) – um dos convidados especiais do encontro – evocava Deus e condenava o diabo. Assim, o que seria uma atividade em prol da presidenciável Dilma Rousseff (PT) transformava-se, aos poucos, em culto evangélico.
O encontro – promovido pela coordenação da campanha de Dilma no Ceará para tentar atrair votos à petista – reflete a força que entidades religiosas passaram a exercer na campanha eleitoral, principalmente neste segundo turno.

No Brasil “laico” do século XXI, a mistura entre Igreja e Estado ganha força extra em 2010 – ao ponto de temas relacionados à moral e à família, como o aborto e o casamento entre homossexuais, terem virado assunto principal em boa parte do debate político entre os adversários Dilma e José Serra (PSDB).
A origem
O foco na “fé em Deus” e na opinião dos candidatos a respeito do aborto surgiu com base em declarações feitas por Dilma em 2007 (ver quadro ao lado), espalhando-se por meio de panfletos apócrifos e nos bastidores de missas e cultos, além da Internet. Logo, o burburinho foi parar no Horário Eleitoral Gratuito. Enquanto Serra questionava os “princípios morais” da petista, a candidata esforçava-se para mostrar ao eleitor que é “a favor da vida”.
Por isso, nos últimos dias, os dois vêm trocando palanques por altares, comícios por participações em cultos e missas. Toda uma agenda especial foi montada pelas campanhas para, à revelia das acusações, tentarem convencer o eleitor da suposta correção ética e da aproximação de cada um com Deus.
ENTENDA O CASO
2007
Em 2007, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a presidenciável Dilma Rousseff (PT) disse: “Olha, eu acho que tem de haver a descriminalização do aborto”.
2009
Em 2009, à revista Marie Claire, a petista afirmou: “Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública”.
Eleições 2010
Há diferentes teses sobre como, por quem e em que momento específico as declarações de Dilma passaram a ser utilizadas na campanha. Aos poucos, ainda no primeiro turno, o tema passou a ser abordado pela imprensa e por setores da igreja – parte dele engajado na campanha de Marina Silva (PV). Líderes religiosos passaram a pregar abertamente contra o voto no PT. O desempenho de Marina nas urnas, acima do que previam as pesquisas de intenção de voto, e o de Dilma, abaixo, é em parte atribuído a essa discussão com fundo religioso.
Quem mais se aproveitou da situação foi o candidato José Serra (PSDB), que levou o tema para o Horário Eleitoral Gratuito.
Postado Por:Daniel Filho de Jesus