O menino X., de 8 anos, carrega em sua curta trajetória de vida as consequências de ter presenciado a morte da mãe, vítima de violência doméstica. Em agosto do ano passado, o próprio pai atirou na cabeça da ex-mulher, então com 37 anos, por não aceitar o fim do relacionamento. No momento do crime, a criança dormia ao lado da mãe, na casa localizada em Gramacho, Duque de Caxias. Segundo o tio que cuida do menino atualmente, ele chega a se sentir culpado por não ter conseguido ‘acordar’ a vítima.
O caso foi um dos 192.669 registros de ocorrência feitos nas Delegacias de Mulheres (Deams) só em 2014. O pai do menino, que se entregou dias depois do assassinato, reforçou a estatística de 55% de aumento das prisões do ano passado em comparação com 2013, referentes a violência contra a mulher.
Os dados divulgados pela Polícia Civil se referem ao Estado do Rio: uma média de 527 registros por dia. Os crimes não transformam em vítimas só quem sofre as agressões. Como o ambiente geralmente é o familiar, muitas vezes as crianças também são prejudicadas.
É o caso de X. De acordo com o tio, os problemas
psicológicos da criança parecem irreversíveis. Em tratamento desde o
crime, enfrenta dificuldades de aprendizado, lapso de memória e
hiperatividade, além de viver assustada. A família mudou hábitos para
atender às necessidades do garoto. “Ele acorda à noite com medo do pai
entrar no quarto atirando, pergunta se ele continua preso e tem medo de
sair de casa. Está em tratamento psicológico, psiquiátrico e
fonoaudiológico”, diz.
Para a coordenadora das Deams, delegada Márcia
Noeli, o aumento da quantidade de registros de ocorrências, que entre
2013 e 2014 teve um salto de 19%, não significa que houve maior
quantidade de casos. Mas sim que a mulher tem demonstrado mais coragem
de denunciar violências sofridas, principalmente pelos parceiros em
ambiente familiar. Além disso, muitas das vítimas reconhecem que esse
tipo de truculência não é apenas a física, com agressão ou ameaças, mas
também a psicológica.Qualquer pessoa pode denunciar
Outro fator que ajudou no aumento de registros é a possibilidade de terceiros irem até a delegacia registrar um crime. De acordo com a delegada, nesses casos, a maioria dos denunciantes são pessoas da família da vítima, inclusive filhos, cansados de presenciar a violência sofrida pela mães. Porém, Noeli explica que, em episódios como este, a denúncia só pode ser feita quando há crime de agressão. Outros tipos de ocorrências só podem ser registradas pela própria vítima. “Quando se trata de lesão corporal qualquer pessoa pode fazer o registro”.
Esse foi o caso de um representante comercial de 55 anos, que em 2012 denunciou um vizinho que agredia a esposa e a mãe, de 78 anos. Policiais da Deam do Centro foram à residência em que o agressor, de 50 anos, vivia com a família e o prenderam em flagrante. Ele era usuário de drogas e, além de agredir as mulheres, as mantinha em cárcere privado. No dia da prisão, em junho de 2012, o preso havia agredido a mãe batendo a cabeça dela diversas vezes contra a parede. “A família tinha medo de denunciar porque ele ameaçava. Ouvia os gritos e resolvi procurar os órgãos de segurança. Fui atendido por uma delegada e logo o prenderam em flagrante”, contou o representante comercial.
Mais agilidade e proteção
No Rio, há 14 Deams e outras 14 delegacias distritais com agentes treinados. Porém, as vítimas podem procurar qualquer delegacia para fazer os registros, e, segundo Márcia Noeli, as mulheres têm se sentido mais seguras para denunciar.
A Lei Maria da Penha trouxe instrumentos que protegem a mulher, como a medida protetiva que impede o agressor de se aproximar da mulher, e a possibilidade de prisão em flagrante caso a medida seja desrespeitada. Segundo a delegada, prisões são feitas diariamente. Nos dias comemorativos, a polícia faz operações para cumprir mandados de prisão. Nas últimas três ações, 88 homens foram presos.
Nesta segunda-feira, o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, assinará um convênio com o Tribunal de Justiça do Rio para ampliar a atuação do Projeto Violeta. Segundo Noeli, na prática, o Projeto Violeta funciona da seguinte maneira: quando o delegado entende que a vítima corre riscos, encaminha a mulher até o juizado competente, onde o juiz analisa na hora as considerações feitas pela polícia. Caso ele julgue necessário, já defere medida protetiva que impede que o autor do crime se aproxime da vítima e faz com que ele seja notificado da decisão. “Caso ele descumpra a decisão do juiz, a polícia é acionada e podemos prendê-lo”, diz a delegada.
Postado Por:Daniel Filho de Jesus