Alguns medicamentos do coquetel prescrito no tratamento de pacientes diagnosticados com HIV podem causar complicações ósseas. É o que indica um levantamento feito no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Em quatro anos, foram atendidos no local, aproximadamente, 1,8 mil portadores de HIV com osteoporose em graus variados e osteonecrose (perda da vascularização do osso, atinge mais as cabeças femorais e umerais, porém, há relatos do aparecimento nos joelhos e no maxilar), principalmente no quadril e nos joelhos. Segundo a responsável pelo serviço de infecção do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT-USP), a infectologista Ana Lúcia Munhoz, é imprescindível que os médicos investiguem o problema à menor queixa apresentada.
Entre os principais problemas ósseos apresentados pelos pacientes que faziam uso de antirretrovirais há mais de 10 anos, estavam a osteopenia (diminuição da densidade mineral), a osteoporose e a osteonecrose. As principais causas dos problemas, ela explica, podem ser a predisposição genética dos pacientes e o uso da medicação por tempo prolongado. “Ainda temos a presença de vírus do HIV nos ossos, o uso do coquetel e o sedentarismo”, acrescenta.
A médica explica que, para organizar o atendimento e avaliar a grande demanda, foi criado um grupo focado nas alterações osteoarticulares dos pacientes com HIV/Aids. “Há quase cinco anos, percebemos uma demanda crescente de pacientes da doença com queixas ortopédicas”, recorda. De acordo com ela, o número de casos de osteonecrose era maior do que na população sadia; e, quando a doença era diagnósticada tarde, a única opção de tratamento era a utilização de próteses articulares. Por esse motivo, esses pacientes foram encaminhados para o IOT, para tratamento especializado e de alta complexidade.
Dentre as doenças ósseas, a osteoporose é a mais frequente. Considerada um quadro grave, é caracterizada pela diminuição da massa óssea, o que causa enfraquecimento, podendo provocar fraturas rapidamente.
Dores
O artistas plástico Lucas*, 35 anos, soropositivo há 12, foi diagnosticado com artrite e osteoartrose na última vértebra da coluna, ambas associadas à utilização contínua de um antirretroviral. Ele explica que, com o enrijecimento das articulações (artrite), sente dores de intensidade média a forte nas mãos, nos pés e nos tornozelos, principalmente durante as estações mais frias. “No caso da osteoartrose, sinto dor intensa na região lombar, dificuldade para levantar e curvar o corpo, principalmente nas primeiras horas ao acordar”, relata.
A infecotologista Eliane Bicudo explica que a artrite é uma reação inflamatória advinda da presença do vírus. Como o HIV é crônico, o corpo inicia uma batalha para combatê-lo, gerando processos inflamatórios e levando a diversos tipos de doenças. Os problemas ósseos também podem ser causados pela medicação. “As complicações são eventos adversos do coquetel e, geralmente, os pacientes apresentam fraturas espontâneas e osteoporose”, alerta.
A desconfiança, segundo Eliane, é que dois antirretrovirais estejam auxiliando para o enfraquecimento ósseo: tenofovir disoproxil fumarate e atazanovir. Ela afirma que, quando o paciente usa esses remédios, os médicos entram em alerta. “Indicamos a densitometria óssea e assistimos o paciente, pois, na maioria das vezes, o efeito colateral atingirá o osso”, ressalta. No entanto, mesmo sabendo desses efeitos, não há como suspender o uso do medicamento, pois existem pacientes que não toleram outros fármacos e a única saída é prescrever esses dois. “Nesses casos, suplementamos o tratamento com cálcio e a vitamina D”, justifica
Tratamento Lucas, que é sedentário e trabalha sentado durante oito horas por dia, foi aconselhado a fazer fisoterapia e exercícios para o fortalecimento da musculatura lombar. “Os médicos me disseram que a artrite não dá para prevenir, porque está diretamente ligada à utilização da medicação. Já a osteoartrose pode ser aliviada com a prática de exercício”, explica.
Para Ana Lúcia Munhoz, há necessidade de ampliar o número de pacientes atendidos, operados e estudados, para entender melhor as causas e a forma de tratamento dessas alterações. Ela acredita que é importante que os médicos avaliem os pacientes no dia a dia e valorizem as queixas osteoarticulares. “Precisamos surpreender precocemente tais diagnósticos e tratá-los, como forma de evitar a progressão para formas mais graves”, alerta.
Nos pacientes com complicações em estágio avançado, o tratamento do Hospital das Clínicas é realizado com próteses articulares financiadas pelo Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. “Elas são implantadas por ortopedistas especializados em pacientes portadores de osteonecrose importante”, descreve a infectologista. Para a excelência do atendimento, o grupo do HC participa de reciclagens do Ministério da Saúde para médicos que atendem pacientes com HIV/Aids. “Treinamos médicos no Rio de Janeiro, em Brasília e em alguns outros hospitais de São Paulo”, destaca a médica.
Postado Por:
Daniel Filho de Jesus