Filas que retratam a miséria, no Rio de Janeiro, se formaram durante a manhã desta sexta-feira. De um lado, o Restaurante Popular da Central do Brasil, do outro, a sede do Sindicato dos Judiciários do Rio. As cenas refletem a fragilidade em que a população se encontra e ao mesmo tempo, a gota de esperança que ainda resiste diante de uma política que parece ter sido reduzida à utopia.
No Restaurante Popular, centenas de pessoas encararam horas debaixo de sol para garantir a refeição daquele dia, após o anúncio de um almoço solidário de Natal. O gesto partiu da empresa responsável pelo fornecimento das refeições antes dos restaurantes serem fechados pelo estado. Mesmo com um total de R$ 18 milhões para receber do governo, a empresa ofereceu as refeições de graça para a população.A Roberta da Silva, 32, que mora em uma ocupação próxima à Central, chegou cedo na fila com o filho de dois anos no colo. Quando soube que almoçaria de graça naquela sexta-feira, tratou de avisar aos amigos para que todos conseguissem também. “Quando o restaurante fechou, fui para a porta dos restaurantes pedir comida no final do dia. Ter esse prato de comida aqui, hoje, é muito bom”, comemorou Roberta, que está desempregada há meses.
Sem receber o auxílio mensal de R$ 77, de seu filho, que sofre de autismo, o orçamento da humilde família do José Benevides ficou à beira do insustentável. Apesar de parecer pouco, o valor garantia necessidades básicas, como o almoço dos dois e da esposa do senhor José. “Estou desempregado e cuido do meu filho, que é doente. Como não pagamos passagem, vínhamos todo dia aqui almoçar. Foi uma covardia fechar esse restaurante. Hoje fizemos questão de vir almoçar na esperança disso aqui abrir de novo. O povo precisa desse lugar funcionando”, relata José.
Nutricionista e gerente do restaurante popular, Fabiana Reis diz que distribuir essas refeições é uma forma de ser solidário com as pessoas que frequentavam o espaço. “É muito triste ver alguém com fome pedindo para reabrir o restaurante. Tem muita gente aqui que não vai ter nada para comer no dia 25”, disse.
Entre 11h e 14h30, 1.567 refeições foram servidas. Para a ceia foram servidos 100Kg de feijão, 210Kg de arroz, 260Kg de pernil, 200Kg de carne moída, 60Kg de salada, 60Kg de farinha e 150Kg de doce de leite.Servidor faz fila por cesta básica
Pelo terceiro dia seguido, uma grande fila de servidores se formou em frente à sede do Sindicato dos Judiciários (Sindijustiça), no Centro. Desde quarta, 731 cestas foram distribuídas. Foram quase 10 toneladas de produtos, entre alimentos e itens de higiene pessoal. Ainda assim, muitos servidores não conseguem garantir a cesta, que acaba sendo pouca, tamanha a carência do povo.
O Willem Nunes Ayres, 57, serve à saúde há 30 anos e diz que gasta pouco, por morar sozinho, mas sem receber desde novembro, ele tem apenas R$ 200 até o dia 5 de janeiro, data prevista para o pagamento da 1ª parcela dos vencimentos de novembro.
“Tenho câncer nas cordas vocais e sou portador do HIV, os meus remédios, graças a Deus consigo pegar nos hospitais públicos, mas a minha alimentação é muito rígida e as vezes preciso comprar fortificantes. Se não receber em janeiro, não sei como vai ser”, desabafa Willem.
A psicóloga e psicanalista, Márcia Modesto, lembra que em momentos de crise, o sentimento de solidariedade aflora nas pessoas e que é preciso “plantar uma corrente de esperança”, pois a situação anda insustentável para o servidor e os desfechos podem ser ruins.
“As pessoas não estão mais revoltas, esse sentimento, agora, da lugar à tristeza e uma onda de depressão vai chegar se essa situação não melhorar logo. Com uma saúde pública fragilizada... é um problema maior ainda à vista. Fim de ano é um momento que gera depressão em muitas pessoas, é natural, e se você juntar a isso, esse quadro de crise, a probabilidade de aumentar ainda mais a taxa de suicídios é grande. Tivemos aí o novembro amarelo para lembrar, inclusive”, lembra.
Um dos organizadores da distribuição das cestas, Ramon Carrera diz que isso é o mínimo a ser feito. “Estamos tentando amenizar o sofrimento de algumas pessoas e só nos resta ajudar”, completa. Ainda durante a manhã de ontem, membros do Movimento Unificado dos Servidores Públicos do Estado (Muspe) se reuniram na frente do Palácio Guanabara, sede do governo, em repúdio aos atrasos dos salários, para comemorar o fim de ano com a chamada “Ceia da Miséria”. No ‘banquete’ foi servido pão e água e uma espécie de ‘Judas’ do Pezão foi malhado e ateado fogo. Também houve protesto em frente à casa do governador Luiz Fernando Pezão, com servidores da Uerj.
Em nota o governador diz que, por ser filho de aposentado, sabe o que representa a dor da população, mas que a solução para os problemas não depende somente do estado. “Reduzi em 50 % o meu salário e fiz tudo que estava ao meu alcance”, cita.
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