Por trás de cada morte por dengue no Brasil (que bateu o recorde de 1,6 milhão de casos ano passado, com 863 mortes), há uma falha, pois o óbito é evitável”. A afirmação é do infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rivaldo Venâncio da Cunha. De acordo com ele, muita gente tem morrido da principal doença transmitida pelo Aedes aegypti, por causa de dignóstico incorreto ou por atraso na identificação da enfermidade, muitas vezes confundida, no primeiro momento, com outras doenças.
“Toda morte por dengue se deve a alguma falha, seja por parte do paciente, que subestimou a gravidade da doença e não buscou socorro a temo, ou por parte do próprio sistema de saúde, que não prestou atendimento adequado”, diz.
Para Rivaldo, é “inadmissível, que pessoas ainda morram de dengue”, uma vez que as epidemias ocorrem há 30 anos de forma ininterrupta, com exceção de 1988, quando o número de casos não chegou a ser classificado como epidemia.Infelizmente, continuamos, todos os anos, contando os mortos por essa doença. Não era mais para haver óbtos, salvo raríssimas exceções, quando outras doenças pré-existentes, podem ser agravadas. Estamos falando de uma doença grave, mas que se trata com água e solução fisiológica em 90 a 95% das situações. Ouso dizer, nesses 30 anos que acompanho, trabalho e estudo a dengue no Brasil, que praticamente todas as mortes por dengue são acompanhadas de um erro”, garante o pesquisador.Rivaldo adverte também que a espera, durante quatro a oito horas, por atendimento em uma unidade de saúde, isso quando o paciente não acaba desistindo e indo vai embora sem ser atendido, faz com que ele volte no dia seguinte com o quadro de saúde já bem piorado e às vezes irreverzível. “Essa situação nós temos observado com frequência cada vez maior. O doente procura a rede de atenção, tanto pública como privada, é atendido, mas a gravidade do seu quadro clínico não é percebida por quem lhe atendeu. Essa rotina tem contribuído para as mortes”, afirma.
“Não raramente o paciente é atendido, é encaminhado para casa e retorna no dia seguinte. Então, volta duas, três, quatro vezes a uma unidade de saúde e acaba morrendo por dengue. Isso é um absurdo. Portanto, também é preciso haver capacitação e organização da rede de atendimento”, apela Rivaldo.
De acordo dom Rivaldo, a atenção dos profissionais da saúde deve redobrar. “As três doenças têm características iniciais que podem ser parecidas com outras enfermidades, como gripe. Somente no segundo ou terceiro dia é que os sintomas ficarão mais específicos ”, ressalta.
“Normalmente a rede de atenção para a dengue — isso vale para zika e para chikungunya também — vai se organizar, de fato, para saber aonde os doentes devem ir, para onde os casos mais graves serão encaminhados, quando saem exames laboratoriais, a partir do meio da epidemia em diante. Mas nós sabemos quais são os meses do ano em que ocorrem dengue, zika e chikungunya; não nos preparamos porque não queremos, por falta de compromisso ou por qualquer outra razão”, critica.
Unidades muito lotadas
São cada vez mais comuns emergências de hospitais e postos de saúde superlotadas com pessoas portadoras de casos suspeitos de dengue. O número cada vez maior de pessoas que procuram atendimento médico seja com sintomas de dengue, zika e chikungunya é a principal responsabilidade entre os médicos plantonistas e outros profissionais de saúde, encarregados de atender os doentes na primeira consulta.
Nas unidades de saúde, alertas da importância de se fazer o diagnóstico correto são dados diariamente. “Quando as doenças cocirculam, o diagnóstico pode ser confundido não apenas entre zika, chikungunya e dengue, mas também com outras infecções como influenza", admite Lucia Bricks, diretora médica de Influenza na América Latina da Sanofi Pasteur.
Uma das principais diferenças de sintomas das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti para a gripe, por exemplo, é que nas três enfermidades, o doente não apresenta coriza.
“Muitas vezes, porém, coceiras e vermelhidões na pele, náuseas e vômitos, febre e mal estar, às vezes comuns no estágio inicial das três doenças, por exemplo, são atribuídas a outras manifestações clínicas, como gripe, rubéola, sarampo, entre outras”, lamenta Rivaldo Venâncio.
Estudo realizado em El Salvador, publicado na revista científica PLOS, mostrou que de 121 pacientes hospitalizados com suspeita de dengue, 28% eram positivos para dengue e 19% positivos para influenza, o vírus causador da gripe. Além disso, entre os 35 com suspeita de dengue que apresentavam sintomas respiratórios, 14% eram positivos para dengue e 39% positivos para influenza.
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