Dunga, o técnico da Seleção Brasileira
pós 7 a 1, tem vivido, na frente da televisão, momentos agradavelmente
prosaicos. “É desenho animado o tempo todo”, diz. Tudo por causa de seu
caçula, Matheus, de 7 anos. “É pergunta atrás de pergunta, e ainda me
atrapalho um pouco com esse monte de bichos novos”, diz. Nesta próxima
terça-feira, os “bichos novos” serão os 23 novos jogadores que ele
convocará para a Seleção. Nenhum é craque, em sua opinião, mas ele conta
com o espírito de equipe para vencer – é o que considera mais
importante no futebol. Na segunda-feira passada, no dia seguinte àquele
em que viu seu time, o Internacional, derrotar o Grêmio de Luiz Felipe Scolari,
Dunga recebeu a reportagem de ÉPOCA. Falando em puro “gauchês” –
idioma em que o pronome vem na segunda pessoa e o verbo na terceira –,
ele falou de seus critérios para escolher os jogadores, relembrou o
período em que foi comentarista da TV Al Jazeera, no Catar, e esmiuçou a
derrota histórica da Seleção Brasileira para a Alemanha, no Mineirão.
Ao analisar o time alemão, aproveitou para recitar sua profissão de fé:
“Um craque sozinho não ganha uma Copa do Mundo, mas uma equipe ganha”.
ÉPOCA – O senhor já definiu craque como “aquele que joga nove partidas bem e uma mal”. Nós temos esses craques?
Dunga – Isso não somos nós que temos de comprovar, são eles. Mas é uma constatação. Vamos ver. O Pelé, de dez partidas, resolvia seis, sete. O Garrincha resolvia seis, sete. E assim a gente vem seguindo os craques. Lógico, quanto mais passa o tempo, fica mais difícil, os espaços são mais reduzidos, a marcação é mais apertada, o adversário põe dois jogadores em cima... Mas hoje, no futebol moderno, o cara, para ser diferenciado, tem de decidir, em dez partidas, pelo menos cinco, seis, tem de ser acima da média.
ÉPOCA – Nem o Neymar tem essa média.
Dunga – Mas, se tiver uma equipe sólida, ele pode fazer isso. Temos essa questão de que o cara faz um gol e já é craque. Temos tanto essa necessidade, que o cara de 15 anos, deu um drible, já é craque. O jogador novo, ele oscila. Até ele ter uma afirmação emocional, psicológica, física, técnica, ele vai oscilar. Só que a gente já põe uma responsabilidade no menino, com 16, 17 anos – “é craque, é craque, é craque” –, aí começa a pressão. Dali a dois anos, mesmo ele tendo 19 anos, não o consideramos mais jovem. E aí começam as críticas. Aí ele fala: “Com 17, eu era um craque, hoje com 19 só me dão pancada...”. Então o emocional, a autoestima, aquela confiança que ele tinha, de dar o drible, de fazer aquela jogada, já começa a se resguardar um pouco mais.
ÉPOCA – Sem meias palavras, Neymar é craque ou não é?
Dunga – Ele é o melhor jogador brasileiro. Para ter carimbo de craque, tem de ter o carimbo de campeão do mundo nas costas. Mas vamos trabalhar, na Seleção, para ele jogar acima da média que define um craque.
ÉPOCA – Que tipo de erros o senhor não pode cometer nesta convocação da terça-feira, dia 19 – considerando que não terá nenhum craque?
Dunga – A maior preocupação é que os caras estão entrando em pré-temporada agora. Tem de ver quem entra em forma mais rápido. Será importante ouvir a opinião do preparador físico do clube onde ele está. Tem de acompanhar quantos jogos ele já fez até aquela data para poder tomar uma decisão.
ÉPOCA – Qual será seu critério na convocação?
Dunga – Vou botar uma mescla entre jovens e veteranos, buscar sangue novo, aguçar a competitividade entre eles, não deixar ninguém pensar que é o dono, ninguém se acomodar. Tudo isso.
ÉPOCA – A média de idade na sua Seleção de 2010 era de 29 anos e 3 meses, com três jogadores acima dos 30. É algum parâmetro para esta convocação de agora?
Dunga – Depende do momento. Se fosse por idade, eu pegava só caras de 20. Mas não é. É competição, tem de ver o momento. Cada um terá sua oportunidade e precisa demonstrar sua capacidade de ficar ou não, independentemente da idade.
ÉPOCA – Por esse critério, o senhor diz que foi um erro Felipão não ter levado mais jogadores mais velhos, que talvez pudessem fazer alguma diferença no jogo contra a Alemanha.
Dunga – Não se pode afirmar isso. Eles estavam na outra seleção, que tinha uma idade superior, e também não funcionou. Depende muito do momento. O melhor é mesmo mesclar.
ÉPOCA – Quem terá a palavra final sobre a convocação: o senhor, o coordenador técnico, Gilmar Rinaldi, o presidente da CBF, José Maria Marin, ou o presidente eleito da CBF, Marco Polo Del Nero?
Dunga – A palavra final é da comissão técnica, é do treinador.
ÉPOCA – É sua?
Dunga – É do treinador. Só que tem de reunir a todos, ouvir a opinião, aí colocar os argumentos. Tem de ouvir o preparador de goleiros, o médico. Às vezes, o médico diz que tal cara não suporta a dor. Tem de levar em consideração. Tudo isso tem de ver.
ÉPOCA – Falando de Copa do Mundo, como o senhor viu a fraca atuação de Lionel Messi na final contra a Alemanha?
Dunga – Naquele jogo, ele foi mal. Mas, se pegar a média geral, ele praticamente levou a Argentina até as finais. A Alemanha tinha uma equipe, não só uma seleção. Então, ela bloqueou Messi. É como se fosse 11 contra um. Aí a equipe, o time, superou o craque. Sei que isso dará polêmica, mas é o que eu acho: um craque sozinho não ganha uma Copa do Mundo. Mas uma equipe ganha. Estão aí a Alemanha e a Espanha, e assim por diante. Agora, logicamente, é claro que, se tiver craque, fica melhor, facilita muito.
ÉPOCA – Fazendo a comparação com o nosso caso, Neymar se machucou e foi o que se viu, os 7 a 1..., qual é sua opinião?
Dunga – É que também tinha um time do outro lado, que estava encaixado, com a autoestima lá cima, muito concentrado naquilo que teria de fazer, muito atento. É difícil falar, porque tu não esteve (sic) lá dentro para ver, mas é mais ou menos como um boxeador: o Brasil levou o primeiro golpe, e a Alemanha não deixou o Brasil respirar. Foi para cima e, quando se viu, o Brasil estava nocauteado. Não deram tempo de o Brasil dar os três segundos, o juiz contar até dez... Não. Levou o primeiro no queixo, tonteou e a Alemanha...
ÉPOCA – Qual foi seu comentário, na emissora árabe, depois do primeiro gol da Alemanha?
Dunga – Que foi uma jogada esporádica. Daqui a pouco, o Brasil vai virar, vai reagir. Mas a Alemanha não deixou. Depois do segundo, do terceiro, fiquei procurando uma explicação.
ÉPOCA – O técnico não tinha de ter tomado uma providência entre o segundo e o terceiro gol, ou entre o terceiro e o quarto? Já não era evidente que Bernard não dava certo?
Dunga – É muito mais complexo. Tu faz (sic) um planejamento e tem de analisar. Será que o problema foi o baixinho lá na frente? Tem de analisar por que saiu cada gol, o posicionamento de cada jogador, se cada um estava na sua função...
ÉPOCA – No caso de um bombardeio como aquele – um gol atrás do outro, os primeiros cinco ainda no primeiro tempo –, não é o caso de qualquer técnico tomar uma providência, fazer alguma coisa?
Dunga – Sem dúvida nenhuma. Mas mudar por mudar? Eles também estavam surpreendidos com aquela situação e esperavam mudar. Só que o Brasil não conseguia marcar e não conseguia jogar. Não foi um jogador, foi o time, foi a Seleção. Teria de mudar os 11. Como não pode mudar os 11, foi aquilo.
ÉPOCA – Já imaginou que os 7 a 1 poderiam ter acontecido com o senhor?
Dunga – Nem quero imaginar, senão os caras me matam. Empatei em 0 x 0 com a Argentina, com um a menos, em Belo Horizonte, e o estádio todo vaiou, imagina 7 a 1. Ninguém imagina, e ninguém quer imaginar. Porque é duro, ainda mais se tratando de Seleção.
ÉPOCA – Se o senhor estivesse ao lado de Felipão como auxiliar técnico, o que diria para ele vendo a Alemanha fazer os gols?
Dunga – Seria muito leviano falar que diria isso ou aquilo. Porque, em 1998, aconteceram coisas diferentes, surpresas, e ninguém falou nada. Depois do acontecido, muitas pessoas falam: “Tinha de tirar fulano ou beltrano”. Na hora, ninguém falou nada. De fora, é muito fácil. Quero saber na hora. Na nossa vida, a gente também teve esse momento de acontecer alguma coisa e tu não ter (sic) reação.
ÉPOCA – O curioso na sua inesperada indicação para técnico do Brasil é que nenhum especialista em futebol cogitou seu nome.
Dunga – Um escreve uma coisa, outro escreve outra, e não param para pensar.
ÉPOCA – No seu caso, mesmo que parassem para pensar, ninguém mataria essa charada. Concorda?
Dunga – Tudo tem 1%. Porque tu tinha (sic) de analisar o trabalho de todos os treinadores que passaram pela Seleção, nos clubes, resultados pró e contra, para tomar uma decisão, entendeu? A gente é emocional no nosso trabalho: um falou, todo mundo segue a cartilha. Mas não falo contra a imprensa. Serve também para mim como treinador. Se está todo mundo falando do João – João, João, João, João, João –, deixa eu ver os jogos do João, onde ele joga, o que ele fez, ele defende, ele ataca, ele dribla? Como é que esses caras falam tanto do João?
ÉPOCA – Parece que o João, nesse clima de convocação próxima, é o Elias, volante do Corinthians.
Dunga – Não, não, não.
ÉPOCA – No jogo contra o Santos, domingo passado, muitos comentaristas falaram do nome dele como uma boa possibilidade.
Dunga – Mas isso é de jogo para jogo.
ÉPOCA – Mas Elias tem uma torcida animadíssima...
Dunga – O futebol tem uma coisa interessante. Todo mundo diz quem tem de entrar. Ninguém diz quem tem de sair. Assim, tu tem (sic) de levar uns 40.
ÉPOCA – Entre os críticos contundentes de sua indicação, está o comentarista Tostão, ex-craque da Seleção Brasileira. “Por que Dunga?”, ele se perguntou. E não conseguiu responder. Por que Dunga, afinal?
Dunga – Todas as críticas feitas a mim não foram pela questão técnica, foram pelo relacionamento com a imprensa. Meu trabalho é dentro do campo – e o complemento é com a imprensa? Ou meu relacionamento com a imprensa é mais importante que o conteúdo técnico? Tem de ver os meus resultados na Seleção Brasileira. Se isso não responde, é porque aí tu vai (sic) divagar, “não tinha um craque, não tinha isso”. Se não tinha um craque, e tive os resultados que tive, então sou melhor do que penso. Quatro anos que tive na Seleção Brasileira, sem experiência? Poucos duraram quatro anos. Poucos, com grande experiência. É só analisarmos os resultados...
ÉPOCA – E a derrota para a Holanda, que nos tirou das finais de 2010?
Dunga – Se analisar ponto por ponto, teve gol do Robinho anulado, que era válido, pênalti no Kaká, cartão amarelo logo no início, truncou o jogo. Tudo bem. Faz parte. Veja o que diziam nos primeiros 45 minutos contra a Holanda e o que diziam depois. Mas isso não é para se preocupar, porque o Zagallo ganhou tudo o que ganhou e sempre foi criticado.
ÉPOCA – Outra reação fortemente contrária a sua indicação veio da respeitada economista Elena Laudau, botafoguense. Entre outras coisas, ela disse que sua escolha, e do Gilmar, foi um “deboche”.
Dunga – Como é que uma economista, que não participa do futebol, pode escrever isso? Se ela não conhece o futebol, não vive o dia a dia. Será que ela fez isso para ter uma notoriedade que, dentro da economia, ela não teve – não em termos de resultado, mas de imagem perante o público?
ÉPOCA – Como o senhor viu a volta de Felipão ao futebol – como técnico do Grêmio na semana passada e perdendo na estreia para seu time, o Internacional, por 2 a 1?
Dunga – Ele tem um relacionamento antigo de amizade com o presidente do Grêmio (Fábio Koff). Mas a gente tem de pontuar uma coisa: ele é campeão mundial. Campeão mundial. Ponto. Por que temos essa mania: “Ah, o cara está ultrapassado...”. Não. O cara é campeão mundial. E levou o Brasil às quartas de final. Falamos no Brasil que não temos ídolos. E não teremos porque nós só apontamos os defeitos dos ídolos. Temos de pontuar que o cara é vencedor. Foi bom ele ter voltado. É um cara competente e íntegro. A gente não pode achar que é um bandido porque perdeu. Ele fez o trabalho dele. Se deu certo ou deu errado, é outra coisa. Mostrou que tem coragem, tem competência e voltou.
ÉPOCA – Ainda bem que o Inter não ganhou de 7 a 1...
Dunga – Isso é maldade. Não vai mais acontecer.
Postado Por:Daniel Filho de Jesus
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