A presidente da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte (Amarn), juíza Hadja Rayanne, denunciou, em entrevista a'O Poti/Diário de Natal, que o governo do estado está contingenciando verba do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Segundo a magistrada, o Executivo está repassado de 20% a 25% a menos do que o valor previsto no Orçamento Geral do Estado (OGE). "Neste ano não teve um único mês em que o Executivo não contingenciasse verba do Judiciário", afirmou. A juíza disse acreditar que o Ministério Público Estadual (MPE) passa pela mesma situação. Hadja considerou equivocadas as críticas do secretário de Planejamento do governo, Obery Rodrigues, em relação à prestação de contas do Poder Judiciário. De acordo com Hadja, o governo não tem respeitado o Judiciário como um poder independente.
A entrevista.
De um modo geral, nós temos muitas queixas em relação ao Executivo, na forma do tratamento do Judiciário em relação à questão orçamentária. É um entendimento dos magistrados que raras vezes é respeitada a independência do Judiciário enquanto poder. O Executivo às vezes parece, em matéria orçamentária, entender o Judiciário como um apêndice dele e não como um órgão independente. Isso é inaceitável.
Como a Amarn recebeu as críticas ao modo como o TJRN faz seu balanço financeiro, feitas pelo secretário Obery Rodrigues?
Nós nos solidarizamos com a presidente do Tribunal, desembargadora Judite Nunes. A postura dela é adequada. A atitude do secretário de Planejamento foi institucionalmente completamente equivocada, nas colocações que ele fez. Essa questão da Lei de Responsabilidade Fiscal é técnica. Não vou entrar na seara. Existem dois entendimentos jurídicos diferentes. O fato de não estar sendo atendido o entendimento do secretário, em nada diz respeito a ele. Não pode se dizer que o entendimento dele é o adequado. Temos decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Contas que respaldam a presidente. Por outro lado, a responsabilidade pelo respeito ao limite da LRF é integral da presidente. Não sei aonde entra o secretário de Planejamento. Até agora, estamos tentando entender qual é a ingerência que ele poderia ter em relação à essa questão.
No governo anterior, já existia esse relacionamento conturbado entre Executivo e Judiciário?
De um modo geral, a tratativa entre governo e Judiciário, quando se trata da matéria orçamentária, é boa. Eu não a classificaria como ruim. Existe a negociação, porque o governo tem que acordar as diversas questões sociais. Tem a Educação. Tem a Saúde. Os magistrados procuram entender essa questão. Agora, no tocante a esse episódio específico, o Tribunal se sentiu atingido, na medida em que o Secretário de Planejamento de outro poder fez ilações a respeito do cálculo que é feito no Tribunal de Justiça. A folha do TJRN é submetida ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Tribunal de Contas, à LRF. Se não estivesse dentro do percentual previsto em Lei, esses órgãos já teriam tomado providências. Então, nós entendemos que a resposta da presidente foi adequada. Foi à altura até da provocação que foi feita.
Mas a folha do Judiciário não traz distorções salariais?
Existe uma preocupação dos juízes em relação à estrutura do funcionalismo. Isso é um fato. Nós temos posição votada na diretoria da Amarn de que hoje a estrutura do funcionalismo do TJRN contém enormes distorções. Por exemplo, funcionários que exercem a mesma função, mas recebem valores diferentes. Uns agregaram e outros não agregaramgratificações. Uns ultrapassaram os valores recebidos por juízes e desembargadores. Então, são distorções que a Amarn entende que o Tribunal de Justiça tem que cuidar. Mas, essa é uma matéria que deve ser cuidada pelo Tribunal de Justiça. Não toca ao poder Executivo. Inclusive, em relação à própria GNTF (Gratificação de Técnico Nível Superior), que o secretário critica, deverá acabar. Existe um Projeto de Lei, aprovado pelo plenário do TJRN, que trata dessa questão da revogação da GNTF. Isso está sendo encaminhado no Tribunal. É um projeto que vem desde o início do ano. Não foi por causa das declarações do secretário.
No cálculo do TJRN são deduzidos vários valores que constam na folha de pagamento, como valores pagos a inativos, gratificações, incorporações, decisões judiciais. Essas deduções não são, na visão da senhora, uma forma de driblar a legislação? Não é uma brecha existente na própria legislação para fugir da Lei de Responsabilidade Fiscal?
Existe um entendimento - como há em decisões do STJ eTribunal de Contas - de que os valores deferidos em decisão judicial, ou seja, que é coisa julgada, determinada pelo Poder Judiciário na folha de pagamento, não devem entrar no limite da LRF. Essa é a grande questão. Dentro dessa linha de raciocínio, o Tribunal entende hoje que o que foi incorporado em decorrência de decisão judicial não entra na questão do limite estabelecido pela LRF. Mas não é muito conveniente para o Tribunal decidir sobre aumento para seus próprios funcionários, que recebem do orçamento do Judiciário, e excluir esse valor do gasto com pessoal?Nem toda decisão é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Muitas decisões passam pelo Tribunal, mas são julgadas pelos tribunais superiores. Inclusive, estão havendo recursos reiterados rejeitados pelos Tribunais Superiores. Acho que já não tem mais nada tramitando em nível de Tribunal de Justiça. Cabe ao TJRN recorrer, como tem direito, mas mesmo assim foram estabelecidos esses direitos pelos Tribunais Superiores. Então, se passa uma ideia de que essas decisões foram deferidas pela presidente (Judite Nunes) e colocadas na folha como decisão judicial. Não é assim que acontece. Se formou um processo, passou pelo juízo, depois pelo Tribunal. Passou pelos Tribunais Superiores. Às vezes passa pelo STJ.
Por que esse cálculo diferenciado feito pelo TJRN?
Isso não é referente ao Poder Judiciário não. Esse entendimento sobre o cálculo do gasto com pessoal para a Lei de Responsabilidade Fiscal é o mesmo de vários órgãos.
Esse cálculo é diferente do que o governo faz?
Não sei informar. Assim como eu acho que ele não deve estar tão a par para informar sobre o Poder Judiciário. O que a gente precisa frisar é que o governo tratou essa questão como se fosse de grande comprometimento do orçamento do governo do estado. Mas, o orçamento do judiciário é 7% do Orçamento Geral do Estado (OGE). Ou seja, tem 93% que o secretário vai poder destinar da forma que ele entender que seja mais adequada.
Na prática, vimos que, enquanto o governo sancionou o reescalonamento que dá um aumento significativo para a magistratura, os servidores públicos, que ganham valores que correspondem a menos de 10% dos salários dos magistrados estão com Plano de Cargos, Carreira e Salários sem serem implantados. A senhora não considera injusto?
A diferença das entrâncias é de 5% para ser implementada durante quatro anos. Em 2016, os juízes substitutos - que ainda não temos - quando entrarem é que receberão o aumento total previsto. O aumento maior para a próxima gestão financeira será de cerca de mil reais por juiz.
Enquanto isso, muitos servidores que ganham cerca de mil reais estão com os salários congelados pelo governo por causa da LRF. Na visão da senhora, isso não é contraditório, tendo em vista que tanto os salários dos juízes como os dos servidores são pagos com recursos do Orçamento Geral do Estado?
Às vezes isso é tratado nas páginas de jornais como se a governadora pudesse pegar do percentual destinado ao Judiciário para pagamento de professores ou demais servidores, que estão em situação extremamente difícil. Isso é fato. Mas, a grande questão é que esse remanejamento, por força da Lei, não pode ocorrer. Depois que o orçamento é aprovado, o valor previsto para o Judiciário não pode ser desviado. A governadora também está restrita à Lei de Responsabilidade. Aquela rubrica não pode ser destinada a outro local.
Na própria elaboração do Orçamento Geral do Estado, o governo tem poder para diminuir o valor previsto para o Judiciário em prol do valor destinado ao aumento dos servidores estaduais. Correto?
Essa é uma questão discutível também. Nós entendemos que somos um poder. Diferentemente das secretarias, para as quais a governadora decide o quanto vai destinar ou quando fará modificações, o Judiciário é um poder. Tem que haver destinação orçamentária para ele.
A senhora então defende que não haja interferência do governo na previsão orçamentária do judiciário no Orçamento Geral do Estado (OGE), diferente do que ocorreu na elaboração do OGE 2012?
O Judiciáriodeve definir seu próprio orçamento. Não há autonomia se não houver independência. Se não, sempre seremos encarados como um apêndice do Executivo.
Então, o fato de o governo decidir sobre o orçamento pode gerar comprometimento do Judiciário com o Poder Executivo, no sentido de haver negociações, troca de favores e até favorecimento em decisões?
Não. Não acho que seja nesse nível. Mas, acho que compromete. Cada presidente do TJRN que entra tem um plano, uma proposta para fazer o Judiciário avançar. Ele conta com aquele valor que foi votado e transformado em lei para fazer cumprir esse plano. Por exemplo, a reestruturação dos fóruns, nos processos digitais. Enfim, ele dá a destinação que entende. Se falta dinheiro, se é contingenciada uma verba, como rotineiramente acontece, os planos ficam prejudicados. Neste ano não teve um único mês em que o Executivo não contingenciou verba do Judiciário. Obviamente os planos da presidência ficam comprometidos. Não podemos fazer nenhum investimento se, em todos os meses, são repassados 25%, 20% a menos do que estava previsto.
Está sendo repassado menos do que estava previsto?
Está sim. Pelo que eu sei, em nenhum mês deste ano foi repassado o valor integral para o Judiciário. Acho que o Ministério Público passa pela mesma situação.
Mas esse valor contingenciado é um percentual referente ao orçamento previsto pelo TJRN ou ao aprovado pela Assembleia Legislativa e sancionado pelo governo?
É equivalente ao valor aprovado. Não sei como esse valor vai ser pago daqui para o final do ano. Vamos aguardar. Não sei como ela (a governadora Rosalba Ciarlini) vai colocar isso em dia. Mas, atualmente é feito um contingenciamento.
O TJRN pode recorrer às instâncias judiciais superiores para garantir o repasse integral?Poderia. Essa é uma decisão que cabe à presidente Judite Nunes. Se ela decide ou não tomar e as razões não posso adiantar. Só quem pode dizer é ela. Hoje, a percepção que tenho é que nós queremos ser tratados como poder. Nós somos poder. Temos a nossa autonomia reconhecida na Constituição Federal.
A senhora não acha que hoje há uma interferência generalizada entre os três poderes, um interferindo na prerrogativa do outro?
A única ingerência que o Poder Judiciário faz no orçamento público é por meio de decisão judicial. Ingerência como essa de um secretário do judiciário criticar a forma como o orçamento está sendo feito pelo governo nunca vi na história do Rio Grande do Norte.
Postado Por:Daniel Filho de Jesus
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