Uma rotina de altos e baixos, com picos incontroláveis de alegria e tristeza. Como é viver com o Transtorno Afetivo Bipolar, conhecido popularmente como bipolaridade? Para esclarecer os dois lados dessa doença, o blog entrevistou quem cuida e quem sofre. Em
um polo, a psiquiatra Fernanda Piotto Frallonardo(foto). No outro, Willian Hideo Katahira, que não se intimida em revelar todos os problemas que a doença já causou em sua vida.
Psiquiatra e coordenadora do Caps–AD (Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas), de São Caetano, Fernanda Piotto Frallonardo acompanhou grupo de bipolares no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
O Transtorno Afetivo Bipolar (bipolaridade) é doença?Sim. É uma doença psiquiátrica, que era chamada de psicose maníaco-depressiva no início do século passado. Não tem cura, mas há controle com estabilizadores de humor, edicação que deve ser tomada por toda vida. Às vezes, acontecem quaisquer variações de humor e a pessoa já acha que é bipolar, mas é necessário diagnóstico médico.Como é a manifestação?
Existem dois polos. Para ser bipolar, a pessoa tem de ter os dois episódios da doença.
Quais são?Um dos episódios é o da depressão, que pode ser de moderada a grave. A pessoa perde o ânimo de viver. Em geral, o tratamento é procurado nessa fase. O outro é o episódio de mania, ou maníaco, que é uma sensação de bem-estar muito grande. A pessoa se sente excitada, inclusive sexualmente, tem muita energia e os pensamentos passam muito rápido pela cabeça. Durante o episódio de mania é possível ter atos impulsivos. Como é a oscilação?
O bipolar padrão, sem tratamento, oscila entre um polo e outro com períodos de eutimia, o humor normal. Isso varia para cada paciente, que pode ficar meses, ou anos, nesse humor normal. Existe o bipolar ciclotínico, que cicla em menos tempo, até no mesmo dia. Episódios (mania ou depressão), se não tratados, podem durar meses e oferecer riscos.Quais são os perigos de cada fase? No episódio de mania, a pessoa fica eufórica, pode diminuir a quantidade necessária de sono, gastar mais dinheiro do que tem, fazer planos muito grandiosos, se tornar agressiva. Ela pode achar que está tão bem, e se sente poderosa, podendo se colocar em situações
de risco. Por exemplo, pode dirigir sem saber ou abusar de álcool.
E na época de depressão? O paciente pode ter pensamentos suicidas. Alguns têm depressão
tão grave que precisam ser internados para resguardar a própria vida.
Em qual idade a doença é detectada?
O primeiro episódio depressivo acontece geralmente no início da idade adulta, entre 18 e 20 anos. O diagnóstico de bipolaridade, no entanto, é confirmado no primeiro episódio de mania, que aparece, em média, dos 30 aos 40 anos, mas pode vir até na terceira idade.É uma doença comum?
Afeta de 3% a 5% da população mundial. Por que bipolaridade vem se tornando tão popular?
Na verdade, só mudou o nome da doença. Existem relatos de sintomas que a gente classificaria como bipolar desde os primórdios. O que tem acontecido é um número
maior de diagnósticos. Existem muitos dignósticos errados?Sim. Quando aparece o primeiro episódio de depressão, a pessoa pode ser tratada erroneamente como depressiva, mas futuramente apresentará quadro maníaco. Por isso
é complicado tratar pessoa em depressão com clínico geral. É preciso ter avaliação especializada.Com medicação, há vida normal? O paciente estará propenso a ter episódios de mania ou depressão mesmo medicado, mas a chance é menor. Por isso, é importante o acompanhamento de um psiquiatra. Bipolaridade pode atrapalhar no trabalho?
Muito. Se a pessoa ficar deprimida, não conseguirá trabalhar e nem ter autocuidado. Na fase de euforia, apesar de achar que está bem, perde a capacidade de focar atenção
e fica dispersa. Há relação entre bipolaridade e dependência química?
São duas doenças separadas, mas cerca de 30% dos bipolares podem desenvolver dependência química ao longo da vida. Na fase de mania, o paciente pode procurar drogas pela impulsividade. Na depressão, para tentar minimizar os sintomas.Quais são as causas da bipolaridade?
A medicina ainda não conseguiu estabelecer a origem da doença, mas é uma alteração neuroquímica cerebral. Também tem uma origem genética, pois filhos de bipolares têm chance maior.
Bipolar assumido, o autônomo Willian Hideo Katahira(foto) descobriu a doença há seis anos e
aprendeu a viver bem com ela. O problema o levou a estudar a bipolaridade. Há um ano e meio divulga os conhecimentos em seu blog, que registrou 70 mil acessos. O objetivo do trabalho voluntário é diminuir o preconceito sobre doenças mentais, sobretudo transtornos de humor.
Como é ser bipolar? É viver dentro de uma montanha-russa no escuro, porque você não sabe quando terá curva, looping... Não sabe quando será a próxima crise, tanto de euforia
como de depressão. A medicação não blinda o bipolar de crises, só diminui o número
delas e a intensidade. O Transtorno Afetivo Bipolar é uma doença complexa porque não é linear. Como descobriu que é bipolar?Ao chegar no médico com depressão, que aconteceu quando estava trabalhando. Comecei
a faltar no trabalho porque perdi a vontade sem motivo. Quando o psiquiatra receitou antidepressivo, eu fui para a fase de euforia. Qual é a postura do mercado de trabalho?É preconceituosa. A começar pelos exames admissionais que perguntam se a pessoa já
sofreu de depressão. O candidato é eliminado logo nessa questão. Doentes mentais
não são insanos. Há gênios que têm doenças mentais.E como fica a vida afetiva?Afeta muito, por se tratar de instabilidade de humor. Um dia a pessoa pode estar carinhosa; em outro, agressiva, irritada. As oscilações não têm motivo aparente. A (o) parceira (o) tem de ter paciência e estudar a doença. O meu casamento, de oito anos, não aguentou tantos altos e baixos.
Em que mais a bipolaridade atrapalha?
Se a pessoa não fizer tratamento, atrapalha tudo, em todas as áreas. Na financeira, tem impulsos de compra. Tudo que o bipolar começa a fazer, não termina, inclusive estudos.
Geralmente não para em emprego. A vida sexual da pessoa não medicada é muito ativa, e troca rapidamente de parceiros. O bipolar briga com amigos e no trabalho, então terá o ciclo social reduzido.
A doença o impede de fazer alguma coisa?Preciso tomar alguns cuidados, como não ir a baladas porque preciso ter rotina
de sono perfeita. O relógio biológico do bipolar é instável. Não bebo álcool, porque
induz a uma situação de mania. Quando passa o efeito, cai na depressão.Por que criou o blog?Como a doença é para a vida inteira, fui estudar. O blog (bipolarbrasil. blogspot.com) surgiu para compartilhar o conhecimento com as pessoas. Temos uma sala de bate-papo 24 horas que atende bipolares. É como uma central emergencial. Em julho, lançaremos o primeiro fórum, com vagas de emprego e departamento de divulgação de artes de bipolares. Conto com apoio de muitos que têm a doença e do IPQ (Instituto de Psiquiatria
de São Paulo). Estamos ajudando pessoas.
Postado Por:Daniel Filho de Jesus
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